terça-feira, 31 de julho de 2007

NO DRAMA;
YES NOTÍCIA
Duas situações distintas, porém com um ato em comum: Na tentativa de assaltar uma residência, o fora-da-lei mantém uma família refém por horas. Um dos fatos tem superexposição na mídia com direito a plantão, cobertura exclusiva e boletins a cada tantos minutos. No outro, uma reportagem de 30 segundos em um telejornal de médio prestígio. Minha pergunta é: Por que a diferença no momento de noticiar o fato? Simples. Uma das residências invadidas era do apresentador Silvio Santos, enquanto a outra era de uma família normal, anônima e de baixa renda. A população ficou com medo, “meu Deus, seqüestraram o Silvio Santos. Esse país não tem mais jeito, a violência atingiu um nível estratosférico.” Oras, precisa o Silvio Santos ser seqüestrado para os cidadãos brasileiros se darem conta que sociedade é diariamente agredida? Tirando o fato de que o nobre cidadão é dono de um canal de televisão e um dos apresentadores mais populares do Brasil, sua estrutura molecular é formada basicamente por carbono, 70% do seu corpo é constituído por água, inspira oxigênio e aspira monóxido de carbono, urina, defeca e como diz no dicionário, expele ventosidades, com estrépito pelo ânus, assim como todos os outros animais da espécie Homo Sapiens. O valor atribuído a Silvio Santos pelos meios de comunicação de massa faz de mim (e das várias famílias mantidas em cárcere por algum assaltante) um insignificante perante a sociedade, que atribui um enorme valor aos MCM. A vida dele é mais importante que a minha, por mais que a minha mãe discorde. A valoração de determinada pessoa aumenta de acordo com a quantidade de símbolos ela representa para outra pessoa, seja de forma passiva, honesta, heróica, hedionda, violenta ou libidinosa. Eu não conheci pessoalmente Roberto Marinho e não posso dizer se ele era um bom pai de família, um jornalista sério, um homem honrado, mas graças ao valor que atribuo a Rede Globo, acabo acreditando nisso (apenas um exemplo). A importância de Silvio Santos para os brasileiros deve-se justamente a esses valores, de um homem honesto, trabalhador, que quando jovem era camelô e hoje possui uma fortuna absurda. É evidente o porquê da tremenda cobertura jornalística e de toda a dramatização do seqüestro. Programas de quinta categoria já começaram a explorar o lado sentimental do acontecimento, exibindo diversas reportagens sobre a vida do apresentador, sua importância para a televisão brasileira, seu legado. Se o infeliz do bandido tivesse matado Silvio Santos, eu diria que Sônia Abrão o matou primeiro. Mais vergonhoso que chorar vendo Rei Leão é chorar assistindo as “novelas” que essa apresentadora reproduz no seu programa, com direito a trilhas emocionantes, comentários de quem conviveu com o ilustre seqüestrado, a mãe do bandido afirmando aos prantos a vergonha que tinha do filho, enfim, um banquete sensacionalista para famintos por vidas alheias. Aposto que depois disso, até os moradores das favelas ficaram com medo de sair na rua, de deixar uma janela aberta ou tomar uma cerveja no bar da esquina. Pode ter alguém pronto para entrar na sua casa, fazer sua família refém por horas e até lhe roubar o que você mais preza em sua vida: O seu carro. Infelizmente é assim que funcionam as coisas por aqui. As pessoas só se dão conta do que está acontecendo ao seu redor quando a indústria do medo lhes oferece seu produto para o deleite de seus consumidores. Uma família mantida sob coação de algum marginal armado é comum no Brasil e ninguém se dá conta que banalizamos a violência, até que os meios de comunicação de massa dramatizam algum episódio envolvendo alguém de grande valor simbólico e o exploram ao máximo, jornalisticamente, com superexposição do fato, priorizando-o em relação a demais eventos de mesma natureza. Durante um dia, os espectadores refletirão a situação em que nos encontramos (um dia possui 24 horas sendo que, em média se dorme 8 horas, 3 horas de novelas, 8 destinam-se ao trabalho, restando 5 horas de “profunda” reflexão).

Um comentário:

Fernando Bagiotto Botton disse...

Boa sacada...talvês isso reflita ná própria função prática do jornalismo na atualidade...afinal: oque decide se um fato e mais importante que outro para ser noticiado ou dado a importancia para ele? Atualmente a midia corprativa tem uma função de relativizar os acontecimentos de forma quase mitlógica...sesses dias ví uma reportagem sobre a casa de praia da apresentadora Eliana, outra vez ví uma reportagem sobre uma cruja que robou a casinha de um casal de joão de bairro, óra, onde está o critério do jornalismo atualmente?
Na minha opinião, ao tirar o verdadeiro problema do foco (má distribuição de renda; legislação falida; sistema sócio-econômico arcaico enxertado a um "hiperliberalismo"...)a mídia corporativa cumpre uma função conservadora e reacionária contra os interesses do bem estar da população de seu país.
O que realmente está salvando o jornalismo na contemporâneidade, é essa mídia independente, alternativa, ou melhor, underground, como esse site... parabéns ao redator dessa página, é apartir daí que uma nova era do jornalismo contemporâneo se dará!